Epicuro (341 a.C. - 270 a.C.), nasceu em Samos, uma ilha grega a
leste do mar Egeu. Quando jovem estudou em Atenas e era considerado um dos
melhores alunos. Certa vez, ao ouvir a frase de Hesíodo, “todas as coisas
vieram do caos”, ele perguntou: “E o caos veio de que?". Retornou para sua
terra natal em 323 a.C. Sofria de cálculo renal, o que contribuiu para que
tivesse uma vida marcada pela dor. Mas nunca se rendeu ao pessimismo.
A obra de Epicuro inclui mais de
300 títulos, infelizmente reduzidos a poucos fragmentos. Das cartas, a mais
famosa é endereçada a seu amigo Meneceu, também conhecida como carta da
felicidade.
A filosofia, segundo Epicuro,
divide-se em três partes:
1. A canônica ou lógica, que
trata do conhecimento e dos critérios para distinguir o verdadeiro do falso.
2. A física, cujo objeto é explicar a realidade, não apenas com uma
finalidade especulativa, mas para libertar o homem do temor do destino, dos
deuses e da morte, os três grandes obstáculos para se conquistar a paz de
espírito e a felicidade.
3. A ética, parte fundamental da filosofia, que trata dos meios adequados para se
alcançar a felicidade.
As três parte articulam-se em
sequência: a lógica conduz à física que culmina com a ética. Ou seja,
precisamos, primeiro, aprender a pensar, depois entender o mundo e ao fim
aprender a viver bem. Sabedoria simples e correta.
O propósito da filosofia para
Epicuro era atingir a felicidade, estado caracterizado pela aponia, a ausência de dor e a ataraxia ou imperturbabilidade da alma.
O prazer não deve ser buscado a qualquer custo, daí o epicurismo não se
confundir com o hedonismo, esse sim a prática do prazer como bem absoluto.
O prazer de que fala Epicuro é o
prazer do sábio, entendido como quietude da mente e o domínio sobre as emoções
e, portanto, sobre si mesmo. É o prazer da justa medida e não dos excessos.
Em tempos de consumismo
materialista, a lição de Epicuro decorre da classificação racional dos desejos
e não de uma censura sobre eles.
Os desejos são:
a. Naturais e necessários, como a
fome, a sede, o sono;
b. Naturais e não necessários,
como a busca do meramente agradável, que
não compromete a sobrevivência, a exemplo do sexo; após a psicanálise, fica
difícil aceitar que o sexo não é necessário...
c. Não-naturais ou artificiais,
desnecessários e até nocivos, como a necessidade de riqueza, glória, poder ou
uma irrealizável imortalidade.
Como se observa, devemos evitar
os mais artificiais e nocivos, sem abrir mão dos prazeres da sobrevivência e da
convivência. Assim vivia Epicuro em seu jardim, cercado de amigos e
alimentando-se com frugalidade. "Bastam um pedaço de pão e um pedaço de
queijo", dizia o filósofo, "e uma refeição compartilhada entre
amigos." É a primeira noção de ágape, a comensalidade e a virtude da amizade
como condições para se viver bem.
Atualizando Epicuro em nosso
mundo industrial movido pela roda-vida da produção e do consumo, podemos
hierarquizar os desejos de modo lógico e mais saudável:
a.
Se tenho sede, bebo água, forma natural e
salubre;
b.
Se tenho sede, bebo refrigerante ou cerveja, que
correspondem ao desejo natural (a sede) mas não são imprescindíveis à
sobrevivência do corpo. Sei que neste caso, muitos vão discordar...
c. O exemplo óbvio do artificial e nocivo é o
tabagismo: o fumante pode até sentir desejo de fumar e prazer ao fazê-lo, mas
não é natural, necessário e muito menos benéfico. E nesta questão, uma grande
verdade: o homem é o único animal que faz (prazeirosamente) o que lhe faz mal,
seja física ou mentalmente falando.
Um rico comerciante que vivia na
antiga província grega de Enoanda, hoje território da Turquia, mandou gravar
nos muros da cidade os pensamentos de Epicuro, para que todos conhecessem. E
com um detalhe irônico: no caminho que conduzia ao mercado... Hoje um
importante sítio arqueológico, Enoanda contém vários ensinamentos de Epicuro
numa extensão murada de cerca de 80 metros. As lições gravadas em pedra são uma
sabedoria pétrea que atravessa milênios.
Para libertar os homens do medo
dos deuses, Epicuro desenvolveu um paradoxo, um dilema lógico - ou trilema
lógico - sobre o problema do mal e a indiferença das divindades quanto ao
destino humano. O paradoxo de Epicuro tem servido de munição contra o
monoteísmo e é ainda hoje um dos argumentos mais repetidos pelos ateus. Mas
atenção: Epicuro nunca negou a existência dos deuses, fato impensável em sua
época, por mais naturalista que fosse seu pensamento.
Dito no singular, eis o
argumento:
Deus, ou quer impedir os males e
não pode, ou pode e não quer, ou não quer nem pode, ou quer e pode.
Se quer e não pode, é impotente:
o que é impossível em Deus.
Se pode e não quer, não é
benevolente: o que, do mesmo modo, é contrário a Deus.
Se nem quer nem pode, é
malevolente e impotente: portanto nem sequer é Deus.
Se pode e quer, que é a única coisa
compatível com Deus, donde provém então existência dos males?
Por que razão é que não os
impede?
Em termos teológicos mais
precisos, o argumento toma a seguinte forma:
·
Enquanto onisciente e onipotente, Deus tem conhecimento
de todo o mal e pode acabar com ele. Mas não o faz. Então não é onibenevolente.
·
Enquanto onipotente e onibenevolente, então tem poder
para extinguir o mal e quer fazê-lo, pois é bom. Mas não o faz, pois não sabe o
quanto mal existe e onde o mal está. Então ele não é onisciente.
·
Enquanto
onisciente e onibenevolente, então sabe de todo o mal que existe e quer
mudá-lo. Mas não o faz, pois não é capaz. Então ele não é onipotente.
A síntese dos ensinamentos de
Epicuro está no tetrapharmakon (τετραϕάρμακον) ou os quatro remédios:
Não temer ou se preocupar com os
deuses - não espere nada de bom ou de mau deles.
Não ter medo da morte – com o fim
do corpo e o fim das sensações, nada sentimos.
Não há mal que dure para sempre e
que não possa ser superado – tudo no mundo é finito e em constante mudança.
O bem pode ser alcançado – pela
educação dos sentidos e pela tranquilidade da alma.
Se a lição de Buda é não
acreditar em qualquer coisa, a de Epicuro é não se deixar dominar pelo desejo,
pelo medo e pela superstição. E viver bem. E deixar que os outros vivam em paz.
Próximo texto: Espinosa e os
afetos.
Prof. Reinério Simões (UERJ)
Prof. Reinério Simões (UERJ)